Quando o tempo deixa pistas nos dentes: como a tomografia pode revelar a idade de um paciente?
Imagine a seguinte situação: um paciente sem documentação, envolvido em um processo legal delicado, precisa comprovar sua idade. Você, cirurgião-dentista, é chamado como perito. Como garantir uma estimativa precisa da idade cronológica dessa pessoa? A resposta pode estar nos detalhes invisíveis a olho nu, mas revelados com a tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC).
A odontologia legal tem se transformado, e a tecnologia assumiu papel de protagonista, especialmente quando falamos da estimativa de idade. Vamos explorar o que esse artigo publicado na Research, Society and Development revela sobre o assunto.
Uma ferramenta que vai além do diagnóstico clínico
A TCFC, amplamente conhecida por seu papel em endodontia e implantodontia, também vem ganhando espaço na análise forense. Como aponta Santos-Junior et al. (2022), “a TCFC mostrou-se efetiva durante a estimativa de idade, em análises de dentes e ossos”. Com sua capacidade de gerar imagens tridimensionais detalhadas, ela se diferencia das radiografias convencionais pela precisão e pela riqueza de informações.
A proposta do estudo foi clara: avaliar, por meio de uma revisão de literatura, o uso da TCFC como método auxiliar na determinação da idade de indivíduos vivos e falecidos — em contextos civis, criminais, imigratórios ou de adoção.
O que a ciência nos mostra?
Este não é um campo novo, mas evolui com a tecnologia. A TCFC possibilita uma análise volumétrica dos tecidos dentários e ósseos, incluindo:
- Volume da câmara pulpar: que reduz com a idade, por conta da deposição de dentina secundária.
- Desenvolvimento radicular de terceiros molares: útil em adolescentes.
- Área da superfície dos ápices dentários: relacionada à idade cronológica.
- Fusão da sincondrose esfeno-occipital: utilizada em jovens adultos.
E mais: “as imagens de TCFC reconstruídas em 3D são exibidas de forma mais adequada no terço apical do que em imagens panorâmicas geradas em 2D”, segundo Ginzelova et al. (2019).
Quando a precisão é vital: aplicações práticas
A estimativa de idade é mais do que uma curiosidade científica. Ela pode:
- Auxiliar na identificação de vítimas em desastres.
- Determinar maioridade legal em contextos jurídicos.
- Apoiar decisões em processos de imigração ou adoção.
- Ampliar o escopo de atuação de cirurgiões-dentistas forenses.
Em casos pediátricos, por exemplo, a TCFC supera os métodos tradicionais de Nolla e Demirjian quando usados com imagens bidimensionais. Różyło-Kalinowska et al. (2022) demonstraram que o método de Cameriere, aplicado em imagens TCFC, oferece maior confiabilidade.
Um olhar para os adultos
Se nos jovens o foco está no desenvolvimento dentário, nos adultos a chave está na transformação contínua da polpa dentária. Estudos como os de Haghanifar et al. (2019) e Gulsahi et al. (2018) mostram como o volume da câmara pulpar pode ser correlacionado com a idade cronológica. A análise precisa dessa estrutura, por meio de software dedicado, eleva a TCFC a uma ferramenta de excelência em odontologia legal.
Mas atenção: após os 60 anos, a redução drástica da polpa torna o processo mais complexo. Neste cenário, as estruturas ósseas passam a ser fontes mais confiáveis de informação.
Reflexão para o consultório
Você já pensou em como essas informações podem ser úteis até mesmo fora do contexto forense? Em tratamentos que exigem compreensão da maturidade dentária como ortodontia, implantodontia e cirurgias complexas — entender a fisiologia do envelhecimento dentário pode ser um diferencial.
E mais: dominar essas técnicas pode abrir portas na perícia odontológica, área em crescimento no Brasil.
A TCFC se apresenta como uma aliada poderosa na estimativa de idade, fornecendo dados confiáveis e detalhados que ultrapassam os limites da radiografia tradicional. Para o cirurgião-dentista, isso significa mais segurança diagnóstica, novas possibilidades de atuação e uma contribuição concreta à ciência forense.
Como afirma o estudo: “a TCFC pode ser considerada uma excelente alternativa para estimativa de idade […] podendo complementar metodologias convencionais” (Santos-Junior et al., 2022).