Como a tomografia de feixe cônico transforma diagnósticos e tratamentos na odontologia clínica

Na prática clínica odontológica, a tomada de decisão é um processo que exige precisão, segurança e fundamentação técnica. Os exames por imagem são elementos-chave nesse contexto, especialmente quando há necessidade de confirmar suspeitas clínicas ou planejar intervenções complexas. A Tomografia Computadorizada de Feixe Cônico (TCFC) surge como um avanço significativo, fornecendo imagens tridimensionais que superam as limitações das radiografias bidimensionais tradicionais. 

Mas até que ponto a TCFC altera, de fato, o diagnóstico e a conduta clínica do cirurgião-dentista? Essa foi a questão investigada por uma pesquisa realizada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que avaliou a eficácia da TCFC em casos endodônticos e de terceiros molares inferiores com proximidade do canal mandibular. 

 A pesquisa foi conduzida com 27 cirurgiões-dentistas especialistas nas áreas de endodontia e cirurgia bucomaxilofacial, que avaliaram dois conjuntos de casos clínicos em dois momentos distintos: primeiro com radiografias (Q1) e, após 30 dias, com imagens de TCFC (Q2). As principais conclusões foram: 

casos endodônticos: 

  • houve mudança na decisão terapêutica em 54% dos casos moderados e 56% dos casos complexos após o uso da TCFC. 
  • a abordagem clínica não cirúrgica foi a opção mais escolhida após a tomografia. 
  • a segurança para o diagnóstico e decisão terapêutica aumentou significativamente em casos complexos (p ≤ 0,05). 

casos de terceiros molares inferiores: 

  • a TCFC aumentou o nível de segurança para realizar a cirurgia em cerca de 40% das respostas. 
  • o exame também elevou a confiança na avaliação da complexidade cirúrgica em 24,4% dos casos. 
  • não houve mudança na conduta terapêutica — a exodontia continuou sendo o tratamento mais indicado, mas com maior respaldo diagnóstico. 

“O exame demonstrou ser determinante para o diagnóstico e decisão terapêutica em 72,8% das respostas atribuídas” (Wanzeler, 2019). 

 Impactos práticos no dia a dia clínico 

A incorporação da TCFC na rotina odontológica traz benefícios diretos ao profissional e ao paciente: 

em endodontia  

  • Visualização tridimensional de canais radiculares e reabsorções. 
  • Redução da incerteza em casos de fratura ou perfuração. 
  • Mais segurança para indicar retratamentos ou condutas cirúrgicas. 
  • Evita tratamentos desnecessários quando a lesão não tem origem endodôntica. 

em cirurgia de terceiros molares 

  • Avaliação precisa da relação entre raízes e canal mandibular. 
  • Redução do risco de lesões ao nervo alveolar inferior. 
  • Maior previsibilidade em procedimentos de alta complexidade. 

A TCFC proporciona dados anatômicos e patológicos fundamentais que não são visíveis em radiografias panorâmicas ou periapicais, especialmente em casos que envolvem múltiplas estruturas tridimensionais ou sobreposição óssea. 

 Considerações sobre uso e indicação da TCFC 

A TCFC deve ser utilizada de forma criteriosa, conforme as diretrizes de entidades como a Associação Americana de Endodontia (AAE) e a SEDENTEXCT. Essas recomendações indicam o uso da TCFC em casos onde a imagem bidimensional não é suficiente para um diagnóstico conclusivo ou seguro. 

Vantagens técnicas da TCFC 

  • Imagem em escala real (1:1) 
  • Alta acurácia e especificidade 
  • Possibilidade de multiplanaridade (axial, sagital e coronal) 
  • Campo de visão restrito (FOV), que reduz a dose de radiação 

“A TCFC só deve ser empregada quando o benefício da sua utilização for maior do que o risco de exposição à radiação ionizante” (Diretriz SEDENTEXCT, 2012). 

A TCFC é uma aliada poderosa do diagnóstico odontológico moderno. Seus benefícios são evidentes em especialidades como endodontia e cirurgia oral, permitindo maior precisão, segurança e previsibilidade clínica. A adoção desse exame não deve ser indiscriminada, mas sim baseada em critérios técnicos bem estabelecidos e respaldada por evidência científica. 

A pesquisa da UFRGS reforça o papel da TCFC como exame complementar de alto impacto, não apenas na visualização anatômica, mas na modificação direta da conduta clínica, especialmente em situações de maior complexidade. 

Dr. Maurício Barriviera
Prof. Dr. Maurício Barriviera – CRO DF 4839
Doutor em Ciências da Saúde – Radiologia.
Diretor Técnico/Proprietário do Grupo Fenelon – Diagnósticos Odontológicos por Imagem.
Como revisor científico da Sociedade Brasileira de Pesquisa Odontológica – SBPqO, tem se destacado como atuante no campo de pesquisas odontológicas.
Foi presidente da Associação Brasileira de Radiologia Odontológica e Diagnóstico por Imagem – ABRO – na gestão 2020/2023.