Progressão da cárie: relação do padrão radiográfico de lesões inativas
A cárie dentária continua sendo uma das condições mais prevalentes na odontologia clínica, com implicações significativas para a saúde bucal de longo prazo. A avaliação da atividade ou inatividade das lesões de cárie é essencial para a tomada de decisão terapêutica, especialmente no contexto de uma odontologia minimamente invasiva.
No entanto, a distinção entre lesões ativas e inativas com base apenas em critérios clínicos nem sempre é suficiente, especialmente nas superfícies oclusais de molares permanentes.
Padrão radiográfico de lesões inativas do esmalte oclusal
Um estudo publicado em 2021 no Journal of Dentistry [1] avaliou a capacidade preditiva de achados radiográficos em identificar superfícies oclusais com maior risco de progressão de lesões cariosas ao longo do tempo. O estudo observou, em um período de acompanhamento de 4 a 5 anos, que a presença de radioluscência inicial estava fortemente associada à maior probabilidade de progressão da lesão, mesmo em superfícies consideradas clinicamente inativas.
O estudo longitudinal teve como objetivo investigar a relação entre as características radiográficas iniciais de superfícies oclusais aparentemente inativas e sua evolução ao longo de vários anos. Foram analisadas mais de 1.200 superfícies oclusais de molares permanentes em adolescentes e adultos jovens, com acompanhamento radiográfico padronizado. As imagens foram avaliadas por examinadores treinados e validadas por meio de calibração interexaminador, garantindo reprodutibilidade.
As lesões oclusais foram classificadas em superfícies sem alterações visíveis, superfícies com fissuras com alteração de cor (IECL – International Caries Detection and Assessment System), e superfícies com radioluscências restritas ao esmalte. A progressão foi definida como a evolução da lesão para a dentina ou necessidade de intervenção restauradora.
Radioluscências como marcadores preditivos para cárie
Os dados do estudo demonstraram que superfícies que apresentavam radioluscência no esmalte já no exame inicial apresentaram risco significativamente maior de evoluir para lesões dentinárias nos anos seguintes. Isso se manteve mesmo para superfícies clinicamente consideradas inativas ou sem sinais evidentes de atividade cariosa. A presença de radioluscência subclínica foi, portanto, um marcador preditivo de progressão.
Esse achado coloca em discussão a interpretação tradicional de lesões inativas apenas com base na inspeção visual ou tátil. A imagem radiográfica, embora limitada em termos de sensibilidade para lesões iniciais, pode oferecer dados complementares importantes, sobretudo na avaliação longitudinal. A combinação entre achados clínicos e radiográficos torna-se fundamental para a estratificação de risco.
Superfícies oclusais e risco de progressão de cárie
A maior parte das lesões observadas nas superfícies oclusais apresentava características de baixa atividade no momento da avaliação clínica inicial. No entanto, quando acompanhadas por 4 a 5 anos, superfícies com radioluscências iniciais demonstraram uma taxa significativamente maior de progressão em relação àquelas sem alterações radiográficas. Isso sugere que a estrutura mineral comprometida, mesmo que não manifeste sinais clínicos evidentes, tende a evoluir silenciosamente.
Em contrapartida, superfícies sem radioluscência inicial apresentaram baixa taxa de progressão, reforçando o valor preditivo negativo da imagem radiográfica. Esses achados são clinicamente relevantes para a seleção de superfícies que devem ser monitoradas com maior frequência e para evitar intervenções desnecessárias em lesões estáveis.
Implicações para o monitoramento clínico
O estudo reforça a necessidade de integrar a análise radiográfica ao monitoramento clínico de lesões de cárie, principalmente em superfícies oclusais de molares. Lesões com sinais visuais sugestivos de inatividade, mas com radioluscência associada, devem ser consideradas de risco aumentado e merecem acompanhamento mais frequente. Essa conduta permite intervenções mais precoces e evita o agravamento silencioso da lesão.
A utilização da radiografia como ferramenta de acompanhamento longitudinal, com registros comparativos ao longo do tempo, favorece a detecção precoce de mudanças estruturais e orienta decisões terapêuticas mais conservadoras e individualizadas. Além disso, o uso de imagens digitais de alta resolução e protocolos padronizados melhora a acurácia diagnóstica e a confiabilidade dos achados.
Apesar dos resultados significativos, é importante destacar que existem limitações metodológicas inerentes aos estudos observacionais, como a variabilidade na exposição a fatores de risco individuais e a possível perda de seguimento. No entanto, o tamanho amostral robusto, o período de acompanhamento prolongado e o uso de métodos padronizados de imagem conferem elevada validade aos resultados apresentados.
Pesquisas futuras poderão explorar a aplicação de algoritmos de inteligência artificial na detecção automatizada de padrões de radioluscência, bem como a combinação com outras modalidades de imagem, como a fluorescência quantitativa ou a tomografia por coerência óptica. Essas tecnologias têm potencial para refinar ainda mais a capacidade preditiva e melhorar a gestão da cárie em diferentes estágios.
A presença de radioluscências em lesões aparentemente inativas do esmalte oclusal representa um marcador importante de risco de progressão da cárie. A interpretação integrada de achados clínicos e radiográficos é fundamental para o acompanhamento adequado dessas lesões e para a adoção de condutas preventivas mais assertivas.
Para o cirurgião-dentista, compreender o valor preditivo da radiografia no contexto da cárie inativa permite uma abordagem mais sensível e individualizada, alinhada aos princípios da odontologia minimamente invasiva. Na Fenelon Diagnósticos Odontológicos por Imagem você encontra suporte de imagem radiológica para diagnóstico, monitoramento e planejamento terapêutico.
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Referência:
[1] Dalla Nora Â, Alves LS, de Castro NC, Maltz M, Zenkner JEDA. Radiographic pattern of inactive occlusal enamel lesions and its relationship with caries progression over 4-5 years. J Dent. 2021 Nov;114:103839. doi: 10.1016/j.jdent.2021.103839